terça-feira, 5 de abril de 2011

RUI BARBOSA


Ruy Barbosa de Oliveira (Salvador, 5 de novembro de 1849Petrópolis, 1 de março de 1923) foi um jurista, político, diplomata, lobista, escritor, filólogo, tradutor e orador brasileiro, formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Foi deputado, senador, ministro e candidato à Presidência da República em duas ocasiões, tendo realizado pioneiras campanhas. Participou da Campanha Abolicionista, a defesa da Federação, a própria fundação da República e da Campanha Civilista. Orador e estudioso da língua portuguesa, foi nomeado presidente da Academia Brasileira de Letras em substituição a Machado de Assis. Foi representante do Brasil na Segunda Conferência Internacional da Paz, em Haia e, já no final de sua vida, foi nomeado Juiz da Corte Internacional de Haia, um cargo de enorme prestígio.

§        Bibliografia:

- 1877: O Papa e o Concílio (Tradução e Introdução);
- 1904: Réplica às Defesas da Redação do Projeto do Código Civil;
-1907: Discursos e Conferências;
-1918: Páginas Literárias;
-1919: Cartas Políticas e Literárias.

Suas obras completas, somando já dezenas de volumes, vêm sendo publicadas pela Casa de Rui Barbosa, do Rio de Janeiro, desde 1942. Na impossibilidade de transcrever a Oração aos Moços, sua obra-prima, discurso de paraninfo à turma de 1921 da Faculdade de Direito de São Paulo, escolheu-se uma das páginas mais felizes de quantas criou – a oração que, em nome da Academia Brasileira de Letras, proferia perante os restos mortais de Machado de Assis:


A Machado de Assis

(...) Não é o clássico da língua; não é o mestre da frase; não é o árbitro das letras; não é o filósofo do romance; não é o mágico do conto; não é o joalheiro do verso, o exemplar sem rival entre os contemporâneos da elegância e da graça, do aticismo e da singeleza no conceber e no dizer; é o que soube viver intensamente da arte, sem deixar de ser bom. Nascido com uma dessas predestinações sem remédio ao sofrimento, a amargura do seu quinhão nas expiações da nossa herança o não mergulhou no pessimismo dos sombrios, dos mordazes, dos invejosos, dos revoltados. A dor lhe aflorava ligeiramente aos lábios, lhe roçava ao de leve a pena, lhe ressumava sem azedume das obras, num ceticismo entremeio de timidez e desconfiança, de indulgência e receio, com os seus toques de malícia a sorrirem, de quando em quando, sem maldade, por entre as dúvidas e as tristezas do artista. A ironia mesma se desponta, se embebe de suavidade no íntimo desse temperamento, cuja compleição sem desigualdade, sem espinhos, sem asperezas, refratárias aos antagonismos e aos conflitos, dir-se-ia emersa das mãos da própria Harmonia, tal qual essas criações da Hélade, que se lavraram para a imortalidade num mármore cujas linhas parecem relevos do ambiente e projeções do céu no meio do cenário que as circunda. (...)
(...) Modelo foi de pureza e correção, temperança e doçura; na família, que a unidade e devoção do seu amor converteu em santuário; na carreira pública, onde se extremou pela fidelidade e pela honra; no sentimento da língua pátria, em que prosava como Luís de Sousa, e cantava como Luís de Camões; na convivência dos seus colegas, dos seus amigos em que nunca deslizou da modéstia, do recato, da tolerância, da gentileza. Era sua alma um vaso de amenidade e melancolia. Mas a missão da sua existência, repartida entre o ideal e a rotina, não se lhe cumpriu sem rudeza e sem fel. Contudo, o mesmo cálice da morte, carregado de amargura, lhe não alterou a brandura da têmpera e a serenidade da atitude. (...)
Poderíamos gravar-lhe aqui, na laje da sepultura, aquilo de um grande livro cristão: "Escreve, lê, canta, suspira, ora, sofre os contratempos virilmente", se eu não temesse claudicar aventurando que as suas tribulações conheceram o lenitivo da prece. O instinto, não obstante, no-lo advinha nas trevas do seu naufrágio, quando, na orfandade do lar despedaçado, cessou de encontrar a providência das suas alegrias e das suas penas, entre as carícias da que tinha sido a meeira da sua lida e do seu pensamento. (...)
(...) Ainda quando a vida mais não fosse que a urna da saudade, o sacrário da memória dos bons, isso bastava para a reputarmos um benefício celeste, e cobrirmos de reconhecimento a generosidade de quem no-la doou. Quando ela nos prodigaliza dádivas como a do teu espírito e da tua poesia, não é que deveremos duvidar da grandeza, a que te acercaste primeiro do que nós, mestre e companheiro. Ao chegar da nossa hora, em vindo a de te seguirmos um a um no caminho de todos, levando-te a segurança da justiça da posteridade, teremos o consolo de haver cultivado, nas verdadeiras belezas da tua obra, na obra dos teus livros e da tua vida, sua idealidade, sua sensibilidade, sua castidade, sua humanidade, um argumento mais da existência e da infinidade dessa origem de todas as graças, à onipotência de quem devemos a criação do universo e a tua, companheiro e mestre, sobre cuja transfiguração na eternidade e na glória caiam as suas bênçãos, com a da Pátria, que te reclina ao seu seio.

ESTÉTICA

Tornado mito da nacionalidade graças a uma série de fatores, Rui Barbosa pertence mais à história de nossa cultura que à história de nossas letras. Respeitando distâncias e proporções, sua posição lembra a de Joaquim Nabuco: é pelo estilo, o manejo superior do idioma, que pode ter guarida numa antologia da Literatura Brasileira. Na que lhe escasseassem dotes de imaginação e sensibilidade estética, mas é que esses convergiam para o mesmo ponto, onde se localizava o orador inflamado e o jurisconsulto sereno. Posto a serviço de outras formas de interpretação de nossa problemática cultural, seu estilo caracteriza-se pelo recorte clássico, lusitano, em que a um léxico variado e numeroso se acrescenta um dinamismo sintático, que procura explorar a estrutura da Língua em todas as suas virtualidades. Na verdade, a vibração subjacente e o trabalho mental consorciam-se eficientemente, de modo que o manancial emotivo se canaliza no rumo desejado, mercê do controle dos meios de transmissão verbal empregados pelo escritor. Além da linguagem e da visão do mundo, o classicismo se observa na composição do discurso, onde se diria ressoar a voz de um Vieira que amortecesse o rigor dialético e a estrutura cerrada da oração com o manifestar de um sentimento fraternal em relação a um morto ilustre. No retrato deste, em que pontificam os traços relevantes de estilista e de homem, estampa-se o perfil do tribuno, igualmente modelar pelas mesmas virtudes.[1]


[1] MOISÉS, Massaud. A Literatura através dos textos. 24ª ed. CULTRIX. São Paulo, 2004.

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