§ Bibliografia:
- 1877: O Papa e o Concílio (Tradução e Introdução);
- 1904: Réplica às Defesas da Redação do Projeto do Código Civil;
-1907: Discursos e Conferências;
-1918: Páginas Literárias;
-1919: Cartas Políticas e Literárias.
Suas obras completas, somando já dezenas de volumes, vêm sendo publicadas pela Casa de Rui Barbosa, do Rio de Janeiro, desde 1942. Na impossibilidade de transcrever a Oração aos Moços, sua obra-prima, discurso de paraninfo à turma de 1921 da Faculdade de Direito de São Paulo, escolheu-se uma das páginas mais felizes de quantas criou – a oração que, em nome da Academia Brasileira de Letras, proferia perante os restos mortais de Machado de Assis:
A Machado de Assis
(...) Não é o clássico da língua; não é o mestre da frase; não é o árbitro das letras; não é o filósofo do romance; não é o mágico do conto; não é o joalheiro do verso, o exemplar sem rival entre os contemporâneos da elegância e da graça, do aticismo e da singeleza no conceber e no dizer; é o que soube viver intensamente da arte, sem deixar de ser bom. Nascido com uma dessas predestinações sem remédio ao sofrimento, a amargura do seu quinhão nas expiações da nossa herança o não mergulhou no pessimismo dos sombrios, dos mordazes, dos invejosos, dos revoltados. A dor lhe aflorava ligeiramente aos lábios, lhe roçava ao de leve a pena, lhe ressumava sem azedume das obras, num ceticismo entremeio de timidez e desconfiança, de indulgência e receio, com os seus toques de malícia a sorrirem, de quando em quando, sem maldade, por entre as dúvidas e as tristezas do artista. A ironia mesma se desponta, se embebe de suavidade no íntimo desse temperamento, cuja compleição sem desigualdade, sem espinhos, sem asperezas, refratárias aos antagonismos e aos conflitos, dir-se-ia emersa das mãos da própria Harmonia, tal qual essas criações da Hélade, que se lavraram para a imortalidade num mármore cujas linhas parecem relevos do ambiente e projeções do céu no meio do cenário que as circunda. (...)
(...) Modelo foi de pureza e correção, temperança e doçura; na família, que a unidade e devoção do seu amor converteu em santuário; na carreira pública, onde se extremou pela fidelidade e pela honra; no sentimento da língua pátria, em que prosava como Luís de Sousa, e cantava como Luís de Camões; na convivência dos seus colegas, dos seus amigos em que nunca deslizou da modéstia, do recato, da tolerância, da gentileza. Era sua alma um vaso de amenidade e melancolia. Mas a missão da sua existência, repartida entre o ideal e a rotina, não se lhe cumpriu sem rudeza e sem fel. Contudo, o mesmo cálice da morte, carregado de amargura, lhe não alterou a brandura da têmpera e a serenidade da atitude. (...)
Poderíamos gravar-lhe aqui, na laje da sepultura, aquilo de um grande livro cristão: "Escreve, lê, canta, suspira, ora, sofre os contratempos virilmente", se eu não temesse claudicar aventurando que as suas tribulações conheceram o lenitivo da prece. O instinto, não obstante, no-lo advinha nas trevas do seu naufrágio, quando, na orfandade do lar despedaçado, cessou de encontrar a providência das suas alegrias e das suas penas, entre as carícias da que tinha sido a meeira da sua lida e do seu pensamento. (...)
(...) Ainda quando a vida mais não fosse que a urna da saudade, o sacrário da memória dos bons, isso bastava para a reputarmos um benefício celeste, e cobrirmos de reconhecimento a generosidade de quem no-la doou. Quando ela nos prodigaliza dádivas como a do teu espírito e da tua poesia, não é que deveremos duvidar da grandeza, a que te acercaste primeiro do que nós, mestre e companheiro. Ao chegar da nossa hora, em vindo a de te seguirmos um a um no caminho de todos, levando-te a segurança da justiça da posteridade, teremos o consolo de haver cultivado, nas verdadeiras belezas da tua obra, na obra dos teus livros e da tua vida, sua idealidade, sua sensibilidade, sua castidade, sua humanidade, um argumento mais da existência e da infinidade dessa origem de todas as graças, à onipotência de quem devemos a criação do universo e a tua, companheiro e mestre, sobre cuja transfiguração na eternidade e na glória caiam as suas bênçãos, com a da Pátria, que te reclina ao seu seio.
ESTÉTICA
Tornado mito da nacionalidade graças a uma série de fatores, Rui Barbosa pertence mais à história de nossa cultura que à história de nossas letras. Respeitando distâncias e proporções, sua posição lembra a de Joaquim Nabuco: é pelo estilo, o manejo superior do idioma, que pode ter guarida numa antologia da Literatura Brasileira. Na que lhe escasseassem dotes de imaginação e sensibilidade estética, mas é que esses convergiam para o mesmo ponto, onde se localizava o orador inflamado e o jurisconsulto sereno. Posto a serviço de outras formas de interpretação de nossa problemática cultural, seu estilo caracteriza-se pelo recorte clássico, lusitano, em que a um léxico variado e numeroso se acrescenta um dinamismo sintático, que procura explorar a estrutura da Língua em todas as suas virtualidades. Na verdade, a vibração subjacente e o trabalho mental consorciam-se eficientemente, de modo que o manancial emotivo se canaliza no rumo desejado, mercê do controle dos meios de transmissão verbal empregados pelo escritor. Além da linguagem e da visão do mundo, o classicismo se observa na composição do discurso, onde se diria ressoar a voz de um Vieira que amortecesse o rigor dialético e a estrutura cerrada da oração com o manifestar de um sentimento fraternal em relação a um morto ilustre. No retrato deste, em que pontificam os traços relevantes de estilista e de homem, estampa-se o perfil do tribuno, igualmente modelar pelas mesmas virtudes.[1]
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