terça-feira, 5 de abril de 2011

PEDRO LUÍS DE SOUSA

Pedro Luís Pereira de Sousa (Araruana, 1839 – Bananal, 1884). Em 1860 terminava o curso de Direito na Universidade de São Paulo. Exerceu a advocacia, a política e o jornalismo. Foi por duas vezes deputado, ministro dos Negócios Estrangeiros, ministro interino da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, presidente da Bahia e conselheiro do Império.

§        Bibliografia:

- 1860: Terribilis;
- 1864: Os voluntários da morte;
- 1866: A sombra do Tiradentes e Nunes Machado;
- 1876: Prisca Fides.

TERRIBILIS DEA
(Impressões do combate de Riachuelo)
Quando ela apareceu no escuro do horizonte,
o cabelo revolto e a palidez na fronte...
Aos ventos sacudindo o rubro pavilhão,
Resplandente de sol, de sangue fumegante,
O raio iluminou a terra... Nesse instante
Frenética e viril ergueu-se uma nação!
Quem era? De onde vinha aquela grande imagem
Que turbara do céu a límpida miragem,
E de luto cobrira a senda do porvir?
De que abismo saiu? do túmulo? do inferno?
Pode o anjo do mal desafiar o Eterno?
Da fria sepultura o espetro ressurgir?
Deixai que se levante a grande divindade!
Seu templo é a terra e o mar, seu culto a mortandade;
Enche-lhe o peito o sopro das paixões.
É uma mulher fantasma! Uma visão de Dante,
Dos campos da batalha a hórrida bacante,
Que mergulha no sangue e ri das maldições!
A deusa do sepulcro! A pálida rainha!
A morte é sua vida. Impávida caminha,
Ora grande, ora vil, nas trevas ou na luz;
A corte que a rodeia é lúgubre coorte;
Tem gala e traja luto: é o séquito da morte,
A miséria que chora, a glória que seduz.
Desde que o mal nasceu, nasceu aquele espetro!
De raios coroou-se! Ao peso de seu cetro
A terra tem arfado em transes infernais.
Do mundo as gerações têm visto em toda a idade,
Sinistra, aparecer aquela divindade,
Celebrando no sangue as grandes saturnais!
No seu olhar de fogo há raios de loucura...
Tem cantos de prazer! tem risos de amargura!
Muda sempre de céu, de rumo, de farol.
Aqui - pede ao direito a voz forte e serena,
Ali - ruge feroz, feroz como uma hiena,
Assassina nas trevas, mata à luz do sol!...
Levanta o gládio nu em nome da Verdade,
Acorda em fúria acesa à voz da Liberdade,
E no punho viril derrete-se o guilhão!
Como é bela!... Depois... sem fé, sem heroísmo,
Despedaça a justiça, e atira com cinismo
A virgem Liberdade nos braços da Opressão!
É uma deusa fatal! Quer sangue e atira flores!
Abraça, prende, esmaga os seus adoradores,
Embriaga-os de glórias e os cerca de esplendor:
E esses loucos - depois de feitos de gigantes -
A túnica lhe beijam ardentes, delirantes,
E morrem a seus pés na febre desse amor.
Quando Átila, o monstro, - o tigre cavaleiro,
Espumando a correr, calcava o mundo inteiro,
A deusa o acompanhava, e ria-se... a cruel!
Tinha a face vermelha, ardia de coragem,
Dava beijos de amor na face do selvagem,
Enterrando o aguilhão nos flancos do corcel.
Era ela que em Roma erguia-se funesta!
O ídolo do povo em sempiterna festa!
O amor de Cipião, de César, de Pompeu.
Vergava com seu braço o braço do destino...
Prendeu nações e reis ao monte Palatino,
E em douda bacanal depois desfaleceu.
Foi de Carlos o Grande a excelsa companheira:
Deu-lhe o trono de bronze, a espada aventureira,
E o globo imperial, glórias e troféus...
Quando no escuro val, Rolando, moribundo,
Embocava a trombeta a despertar o mundo,
Erguia o colo a deusa além dos Pireneus...
Seguiu Napoleão da França até o Egito,
Nos mares, nos desertos, em busca do Infinito,
Das terras do Evangelho às terras do Coran,
Dos delírios da Europa aos sonhos do Oriente...
Teve medo afinal daquela febre ardente;
Lá no meio do mar prendeu esse Titan!
Ela estava também serena e triunfante
Ao pé de Farragut, o intrépido almirante,
Lá no tope do mastro, enquanto o monitor,
Em doudas convulsões, das túmidas entranhas
Vomitava metralha a derribar montanhas,
E do mundo arrancava um grito de terror...
Ela estava também - espetro pavoroso -
Do Amazonas a bordo, ao lado do Barroso,
De pólvora cercada, em pé sobre o convés...
Quando, à voz do valente, o monstro foi bufando,
Calados os canhões, navios esmagando,
A deusa varonil de amor caiu-lhe aos pés!...
Salve da guerra, deusa, arcanjo da batalha,
Que voas no vapor, que ruges na metralha,
Que cantas do combate os infernais clarões,
Quando arrancas do bronze os cânticos malditos:
O céu é fogo e aço, o ar - pólvora e gritos -
E corre e ferve o sangue em quentes borbotões.
Salve, tu, que nos deste o sangue da vingança!
O gládio da justiça, o raio da esperança,
E da glória cruenta o mágico esplendor!
É para te saudar que brame a artilharia
E que repete ao longe a voz da ventania
Das trombetas da morte o hórrido clangor!
....................................................................................
Quando ela apareceu no escuro do horizonte
O cabelo revolto, a palidez na fronte,
Aos ventos sacudindo o rubro pavilhão,
Resplandente de sol, de sangue fumegante,
O raio iluminou a terra... Nesse instante
Frenética e viril ergueu-se uma nação!...
[1]


RAUL DE LEÔNI
Raul de Leôni Ramos nasceu em Petrópolis (Estado do Rio), a 30 de outubro de 1895. Após os cursos fundamentais, ingressa na Faculdade Livre de Direito Do Distrito Federal, em 1912, e no ano seguinte visita a Europa. No retorno, inicia colaboração na imprensa do Rio de Janeiro. Formado em 1916, dois anos mais tarde é nomeado para cargo diplomático em Cuba, mas não chega a assumi-lo. Idêntico destino conhece a nomeação para o Vaticano. Nesse mesmo ano (1919), elege-se a deputado. Em 1923, descobrindo-se tuberculoso, segue para Itaipava, onde falece a 21 de novembro de 1926.


§        Publicou:

- 1919: Ode a um Poeta Morto, dedicada a Olavo Bilac, falecido naquele ano;
- 1922: Luz Mediterrânea.
-1941: Poemas Inacabados.


II
Basta saberes que és feliz, e então
Já o serás na verdade muito menos:
Na árvore amarga da Meditação,
A sombra é triste e os frutos têm venenos.

Se  és feliz e o não sabes, tens na mão
O maior bem entre os mais bens terrenos
E chegaste à suprema aspiração,
Que deslumbra os filósofos serenos.

Felicidade... Sombra que só vejo,
Longe do Pensamento e do Desejo,
Surdinando harmonias e sorrindo,

Nessa tranqüilidade distraída,
Que as almas simples sentem pela Vida,
Sem mesmo perceber que estão sentindo...

Crepuscular
Poente no meu jardim... O olhar profundo
Alongo sobre as árvores vazias,
Essas em cujo espírito infecundo
Soluçam silenciosas agonias.

Assim estéreis, mansas e sombrias,
Sugerem à emoção com que as circundo
Todas as dolorosas utopias
De todos os filósofos do mundo.

Sugerem... Seus destinos são vizinhos:
Ambas, não dando frutos, abrem ninhos
Ao viandante exânime que as olhe.

Ninhos, onde vencidas de fadiga,
A alma ingênua dos pássaros se abriga
E a tristeza dos homens se recolhe...

ESTÉTICA

O primeiro problema colocado pela obra de Raul de Leôni diz respeito à sua filiação: parnasiana? Simbolista? Conquanto pareça simplista, pode-se asseverar que ela funciona como liame entre as duas tendências poéticas e o Modernismo. Na verdade, surgindo para as Letras quando as duas correntes finisseculares agonizavam, Raul de Leôni ficou a meio do caminho, preso ainda às seduções de ontem e já prenunciando a moda de amanhã. Como nenhum outro, Raul de Leôni criou a poesia que faltava em nosso Simbolismo, a poesia de reflexão, filosofante, evidente em todas as peças transcritas: por exemplo, em “II”, ou em “Crepuscular”, importante para assinalar a divergência radical entre o autor de Luz Mediterrânea e Eduardo de Guimaraens, pois o descritivo dos jardins de penumbra do poeta gaúcho cede lugar à meditação sofrida. Nesse filosofismo desalentado perpassa a sombra gélida de Schopenhauer, mas seu nome tutelar é Platão (“Platônico”), fazendo crer num espírito religioso que conjugasse a fé com um pensamento transcendentalista. Bem ponderadas as coisas, trata-se de componentes simbolistas, aos quais se associa a fluência do verso, que ultrapassa as bordas rígidas do soneto e cumpre-se com a espontaneidade de quem pensa em voz alta ou murmura confidências, a preludiar claramente à descontração modernista. [2]


[1]  Disponível em: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=839&sid=2

[2] MOISÉS, Massaud. A Literatura através dos textos. 24ª ed. CULTRIX. São Paulo, 2004.

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