quarta-feira, 27 de abril de 2011

RAUL POMPÉIA


Raul d’Ávila Pompéia (Jacuecanga, 1863 – Rio de Janeiro, 1895). Estudou Direito em São Paulo e concluiu no Recife. Foi jornalista, publicou alguns de seus romances na Gazeta de Notícias, colaborou com “A Rua”, o “Jornal do Comércio do Rio e São Paulo”, “A Comédia” e o “Diário de Minas”. Participou da campanha abolicionista e no movimento republicano, ao lado de Floriano Peixoto. Ensinou mitologia na Escola de Belas Artes, e foi diretor da Biblioteca Nacional em 1894.

§  Bibliografia:

- 1880: Uma Tragédia no Amazonas
- 1888: O Ateneu
- 1900: Canções sem metro
- 1962: As Jóias da Coroa

O Ateneu

Publicado pela primeira vez no Rio de Janeiro, em 1888, O Ateneu traz por subtítulo a expressão “Crônicas de Saudades”, que evidencia o quanto seu autor hesitava em classificá-lo.  Misto de ficção e memória, pendente entre o diário e o romance, gira em torno das experiências sofridas por um menino ingênuo no internato de Aristarco Argolo de Ramos. Sem haver propriamente um enredo, mas uma justaposição de quadros, vão desfilando diante de nós as personagens e as situações de um colégio em que a hipocrisia esconde toda a gama de baixeza, desde a falsidade dos amigos e das “proteções” até o assassínio, provocado pela criada (Ângela). Diretor e senhora (D. Ema), professores e estudantes, todos vivem numa atmosfera saturada e postiça, forjada pela vaidade de Aristarco. A sucessão de flagrantes, ora impressionistas, ora expressionistas, termina com o incêndio do colégio, ateado pelo estudante Américo. O trecho que se vai ler, pertence ao capítulo VIII:
(...) Ao meio-dia, apeava o Ateneu dos bondes especiais à porta do grande parque. Atravessamos cantando um dos hinos do colégio as arcarias elevadas de palmas. Junto ao lago da avenida, debandamos. (...)
(...) Era por um desses dias caprichosos, possíveis todo ano, mais freqüentes de verão, em que as bátegas de chuva fazem alternativa com as mais sadias expansões de Sol, deliciosos e traidores, em que, parece, a alma feminina e se faz clima com as incertezas de pranto e riso.
Chovera uma vez ao partirmos, outra vez em viagem; havia no jardim muita umidade na relva e sob as folhas caídas; às alamedas de mais sombra, via-se a areia crivada recentemente dos pequeninos furos que cava o gotejador do arvoredo. Mas eram tão claros os trechos de bom tempo, no intervalo dos nimbos, que não podiam apreensões de aguaceiro entibiar a franqueza de alegria a que estávamos preparados. (...)
(...) Ás quatro horas a banda de música assinalou com o hino nacional o grande momento da festa campestre.
De todos os pontos do jardim começaram a chegar magotes pressurosos de uniformes brancos. Os vigilantes, energéticos, regularizavam a ocupação dos lugares. (...)
(...) Havia um quarto de hora que andava misteriosamente por uma aléia de bambus, esfiapando as barbicas, a gaforinha, palpando a testa, arrancando inspiração ao couro cabeludo, passando, nervoso, repassando, espiado furtivamente pela nossa admiração. Ninguém ousava acercar-se, temendo perturbar a elaboração do gênio. (...)
(...) A chuva desculpava a bebida. Era inacreditável o consumo de brindes. Brindes a Aristarco, brindes aos companheiros, ao Silvino, ao poeta, ao Sol, aos temporais, Barbalho saudou-me fogosamente. Rômulo, já tonto, afastado das mesas, brindava o copeiro que lhe arranjara uma garrafa; depois brindou a noiva; o criado, bebendo também, tocou-lhe o copo. (...)
(...) Quando chegamos ao portão, já nos esperavam os bondes especiais. Do outro lado da rua, à entrada de conhecido restaurante, apareceu a família do Aristarco com alguns professores, que lá tinham jantado. D. Ema, pelo braço do Crisóstomo, a Melica altivamente só e distanciada. (...)

ESTÉTICA

O Ateneu distingue-se na história de nossa ficção por uma série de aspectos, alguns dos quais comparecem no excerto selecionado. Efetivamente, seu Realismo, tanto quanto o de Machado de Assis, era interior, como se observa no tom reminiscente adotado pelo narrador, aliás em consonância com a obra em sua totalidade, a partir do subtítulo, “Crônica de Saudades”. Romance na primeira pessoa, traduzia a tomada de consciência da realidade “objetiva” do “eu”, equivalente à que oferecia o mundo concreto. O Ateneu, encerra uma das primeiras tentativas de análise dos subterrâneos da memória e do inconsciente. E pelo erotismo que atravessa determinadas cenas, dir-se-ia antevisão das técnicas freudianas de psicanálise. Impressionismo à Goncourt, denota um esforço de objetividade que se confirma doutro ângulo: a despeito de se tratar de um romance de memórias, o narrador põe-se fora do quadro descrito, quando seria de esperar que se lembrasse mais de si que dos outros. A explicação reside no verismo que inspira o escritor, e na crueldade subjacente ao evento campestre, bem como a todo O Ateneu. Das obras marcantes da Literatura Brasileira, O Ateneu permanece vivo como documento de hábitos pedagógicos ainda não de todo erradicados de nosso meio, elaborando num estilo novo e ágil, fruto duma especial e rara sensibilidade estética e duma visão trágica do mundo e dos homens. [1]


[1] MOISÉS, Massaud. A Literatura através dos textos. 24ª ed. CULTRIX. São Paulo, 2004.

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