Nasceu a 15 de outubro de 1908, no Rio de Janeiro, após os estudos primários e secundários, formou-se pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, em 1931. Nesse mesmo ano, dá a lume um ensaio, Maquiavel e o Brasil, que lhe decide a vocação de escritor. De então pra cá, além de colaborar na imprensa, vem escrevendo outros livros. Faleceu a 17 de outubro de 1980, no Rio de Janeiro.
§ Publica:
- 1939: Os Caminhos da Vida;
- 1942: O Lodo das Ruas;
- 1944: O Anjo de Pedra;
- 1947: Os Renegados;
- 1952: Os Loucos;
- 1957: O Senhor do Mundo;
- 1961: O Retrato da Morte;
- 1963: Ângela ou As Areias do Mundo;
- 1966: A Sombra de Deus;
- 1970: O Cavaleiro da Virgem;
- 1973: O Indigno;
- 1979: O Pássaro Oculto.
§ Ensaios:
- 1933: Destino do Socialismo;
- 1935: Dois Poetas;
- 1937: Cristo e César;
- 1940: Fronteira da Santidade;
- 1952: Significação do Far-West;
- 1958: Coelho Neto;
- 1964: Pequena Introdução à História do Cinema.
§ Teatro:
- 1939: Três Tragédias à Sombra da Cruz.
§ Novelas:
- 1966: Novelas da Masmorra.
Mundos Mortos
Primeiro volume da série “Tragédia Burguesa”, publicado em 1937, gira em torno dos dramas religiosos e sexuais de um grupo de estudantes de internato católico, no Rio de Janeiro. Padre Luís, Ivo, Branco, Carlos Eduardo são algumas das personagens agitadas por conflitos que surgem da luta contra as “tentações”, a dicotomia Bem e Mal, a tomada de consciência da morte e a desgracença que gera. Romance de adolescentes, fixa a experiência juvenil da crise interna da Burguesia, cujo retrato constitui o objetivo último do ficcionista na elaboração de seu ciclo romanesco.
No trem de volta de S. Paulo, Ivo vinha, justamente nesse momento, pensando em problemas bem semelhantes aos de Branco, ainda que caminhando em sentido bastante diverso. Depois de uma noite terrível, passada em claro, embarcara ainda meio desnorteado e viera todo o tempo raciocinando sobre as mesmas coisas, incansável em percorrer sempre os mesmos caminhos. (...)
(...) Estava decidido a dizer tudo a Branco assim que estivesse com ele. Faltavam ainda umas duas horas para a chegada, mas, era como se a conversa já fosse principiar. E punha-se a imaginar como Branco iria conseguir justificar o sucedido. Essa morte absurda, injusta, inútil, revoltante, como explicá-la? A escolha de Carlos Eduardo, entre tantos mil, como compreendê-la? Chegara, simplesmente, a sua hora – poderia responder Branco. Mas então, - pensava ele, - que hora era aquela, tão cedo, toa no começo ainda, tão desesperadoramente inoportuna? Um engano? Nesse caso, como atribuir a Deus, à Providência, uma insanidade daquelas?
O trem parara numa estação. Ivo desceu para tomar café. A mudança de ambiente o chamou um pouco a si. Percebeu que, a julgar pelas palavras, já não era propriamente a Deus, porém a Branco que, sem querer, estava responsabilizando, na sua onda de indignação. Sorriu, contrafeito. Verdadeiramente, estava exausto. Já não regulava bem seus pensamentos. Era preciso se reanimar um pouco com aquele café quente e deixar de lado, até a hora da chegada, aquelas idéias já inutilmente mexidas e remexidas durante longas horas. (...)
E Ivo pensava: responsável, propriamente ninguém. Ninguém podia ser responsável por um disparate daqueles. E Deus, esse, certamente não existia. Dizia-o bem alto, para que se convencesse de vez. O que existia, era um mundo torto, errado, caótico, tão visceralmente desordenado que, nele, tudo podia acontecer indiferentemente, até mesmo a morte de Carlos Eduardo. Um mundo triste que, naquele momento, execrava acima de tudo mais – um mundo repleto de pessoas más e viciadas que viviam para fazer mal umas às outras – como ele próprio, aliás, em tantas ocasiões – e como algumas pessoas boas, como Branco, como Leopoldo, que se enganavam totalmente, acreditando em forças superiores ou numa Providência capaz de governar o universo...
O trem se pusera de novo em marcha, aumentando logo a velocidade para recuperar alguns minutos perdidos. Ivo não o notou, porém. Nem mesmo prestou atenção à paisagem que se desdobrou ante ele, comumente, de todo o percurso, o trecho que mais lhe agradava. Não via nada de bonito, naquele fim de tarde tão triste – apenas, pressentia a aproximação de um grande temporal. O que via, realmente naquele instante, era o mundo, - o mundo inteiro, em vez daquele trecho de região montanhosa – o mundo hostil em que a morte vinha, traiçoeira e estupidamente, arrebatar Carlos Eduardo no melhor momento de sua existência, como se já estivesse esgotado ou não merecesse viver. Aquilo, sim, era o mundo. Aquilo e não a “obra do Criador” de que a cegueira de Branco tanto falava. (...)
(...) A indignação levou Ivo até os domínios de Pedro Borges. Pedro Borges, - pensou logo – é crápula. Seguramente, um crápula. O inegável, porém, é que parecia conhecer a vida melhor do que qualquer outro. Conseguia aproveitá-la, conseguia não se deixar lograr. Sem a menor dúvida, o fazia de um modo repugnante, tivera uma parte bem grande, era ele próprio como que uma espécie de vingança antecipado do fim estúpido de Carlos Eduardo. (...)
(...) Ivo teve um movimento de mau humor e prestou um momento de atenção à paisagem. A chuva começava a diminuir. E ainda faltava muito para a chegada. O tempo podia ainda mudar duas ou três vezes. Contudo, era inútil, completamente vão, estar remexendo aquelas idéias e conversas passadas. Sabia perfeitamente porque Branco estava errado. Naquela noite mesmo, haveriam de conversar muito sobre aquilo. Abrir-se-ia com o amigo que não via há tanto tempo e cujas cartas se tinham espaçado tanto. Falaria logo da necessidade em que se achava de uma defesa feroz contra o mundo. Mostraria como tinha de aceitá-lo integralmente, cegamente, para não afundar no desespero, no abandono de si mesmo. Como era preciso saber aproveitá-lo, para não ser roubado quando viesse o imprevisível momento da morte... ele que já fora roubado, uma vez, no que tinha de mais precioso na vida e nem sequer percebera... (...)
Não temia as repostas de Branco. Estava disposto a enfrentá-lo a convencê-lo, talvez, do seu erro. Era só chegar, vencer o choque tremendo dos primeiros encontros em casa. Falaria , logo que estivessem a sós. No entanto, o trem parecia não avançar – e a montaria daquelas habitações desgraçadas que via disseminadas ao longo da estrada, revelando uma miséria que sempre procurara não ver, irritava-o ainda mais. Tinha a impressão de que estava viajando havia já muitos meses, sem chegar nunca, sem nem mesmo ver se aproximar o momento esperado.
ESTÉTICA
Octavio de Faria enquadra-se na vertente introspectiva e católica do nosso romance moderno, como se observa no excreto que se acabou ler. No tocante ao primeiro aspecto, caracteriza-se pelo emprego do monólogo interior indireto, ou seja, com a participação franca do narrador, o que empresta ao fluxo da consciência relativa ordem, semelhante à implícita no foco do narrativo na terceira pessoa: o escritor, ainda preside à captação da correnteza mental, demonstrando assim ser parcial a liberdade de pensamento da personagem. Doutro lado, nota-se que, apesar da sondagem no recesso do “eu”, o tom da fabulação é linear, como se na verdade a ação interior exibisse uma unidade lógica, a tal ponto que, retomando o trem sua marcha, o adolescente reata o fio da meditação, em desobediência à verossimilhança. Em igual plano se coloca o segundo aspecto: o romancista afirma que Ivo dizia descrer de Deus a da Providência Divina para se convencer: embora verdadeira a notação, o ficcionista não permite que emerja da própria ação; ao contrário, prefere apontá-la, a modo de dissertação, o que frustra o protagonista e o leitor. Com base nessa técnica, equaciona-se o problema da existência de Deus, do conflito entre o Bem e o Mal. Todavia, as poucas páginas transcritas podem oferecer uma visão deformada, de vem que a concepção balzaquiana da “Tragédia Burguesa” somente pode ser avaliada na totalidade. A despeito de o estilo manifestar carência de maior polimento, e de a problemática teológica dos adolescentes padecer de relativa inatualidade, Octavio de Faria figura entre os mais dotados ficcionistas de seu tempo, graças ao poder de criar um mundo imaginário em que se concretiza de maneira indelével a profunda mutação cultural dos anos 30 e 40. A ambiciosa ideação ficcional, fielmente cumprida no curso de quarenta anos, guarda uma vocação privilegiada de romancista, aqui e ali resvalando no clichê, é certo, mas no geral evidência uma intuição panorâmica da realidade sem paralelo entre nós.[1]
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