quarta-feira, 27 de abril de 2011

JOSÉ DE ALENCAR


José Martiniano de Alencar (Mecejana, 1929 – Rio de Janeiro, 1877). Cresceu e estudou no Sul, formando-se em Direito na Universidade de São Paulo, 1851. Dedicou-se à literatura, ao jornalismo, à advocacia, e à política. Foi chefe da Secretaria do Ministério da Justiça, deputado pelo Ceará (militando pelo Partido Conservador). Aos 39 anos de idade, tornou-se Ministro da Justiça. Sua obra é marcada por um forte sentimento nacionalista. Foi também cronista do Correio Mercantil e redator do Diário do Rio de Janeiro.

§  Romances:

- 1856: Cinco Minutos
- 1857: O Guarani
- 1860: A Viuvinha
- 1862: Lucíola
- 1864: Diva
- 1865: As Minas de Prata; Iracema
- 1870: O Gaúcho; A Pata da Gazela
- 1872: Sonhos d’Ouro; Til
- 1873: Alfarrábios
- 1874: A Guerra dos Mascates; Ubirajara
- 1875: Senhora; O Sertanejo
- 1893: Encarnação

§  Teatro:

- 1857: O Demônio Familiar; Verso e Reverso
- 1858: As Asas de um Anjo
- 1860: Mãe
- 1875: O Jesuíta

§  Críticas políticas:

- 1856: Cartas sobre a Confederação de Tamoios
- 1865: Ao Imperador: Cartas políticas de Erasmo; Ao Imperador: Novas cartas políticas de Erasmo
- 1866: Ao povo: Cartas políticas de Erasmo
- 1867: O Juízo de Deus; A Visão de Jó
- 1868: O sistema representativo

§  Crônicas:
- 1874: Ao Correr da Pena

§  Autobiografia:
- 1893: Como e por que sou romancista


O Guarani

Publicado inicialmente em folhetins do “Diário do Rio de Janeiro” (1857) e no mesmo ano em volume, O Guarani contém o seguinte entrecho: D. Antônio de Mariz instalara, nos fins do século XVI, uma fazenda às margens do Paquequer, tributário do Paraíba, onde vivia com sua família. Em conflito com os aimorés por causa da acidental morte de uma indígena, o velho fidalgo defende-se com a ajuda de um guerreiro da tribo goitacá, Peri, que serve humildemente aos desígnios de Cecília, e defende-a, bem como ao resto do clã, de mil perigos. Até que se declara a última batalha, e a casa grande é levada pelos ares por D. Antônio de Mariz, enquanto o selvagem escapa conduzindo Cecília à salvação. O capítulo que se vai ler intitula-se “A Prece”, VII da primeira parte do romance:
A tarde ia morrendo.
O sol declinava no horizonte e deitava-se sobre as grandes florestas, que iluminava com seus últimos raios.
A luz frouxa e suave do ocaso, deslizando pela verde alcatifa, enrolava-se como ondas de ouro e de púrpura sobre a folhagem das árvores.
Os espinheiros silvestres desatavam as flores alvas e delicadas e o ouricuri abria as suas palmas mais novas, para receber no seu cálice o orvalho da noite. Os animais retardados procuravam a pousada: enquanto a juriti, chamando a companheira, soltava os arrulhos doces e saudosos com que se despede do dia.
Um concerto de notas graves saudava o pôr do sol, e confundia-se com o rumor da cascata, que parecia quebrar a aspereza de sua queda, e ceder à doce influência da tarde.
Era a Ave-Maria."
Todos se ajoelharam para rezar, descobriram a cabeça solenemente. Somente Loredano conservava seu sorriso desdenhoso, observando Álvaro que, embebido pela beleza de Cecília, contemplava-a como se ela fosse a deusa para quem se dirigia a prece.
D. Antônio convidou Álvaro para partilhar do serão e da refeição da família; só aos sábados e domingos isso poderia acontecer porque durante a semana todos vivam apartados em seus afazeres. Álvaro deu um jeito de chamá-la para a conversa e contou-lhe que encontrara Peri brincando com uma onça.
A moça soltou um grito e achou que o amigo deveria estar morto àquela hora, confessando ter sido o motivo da tamanha loucura porque dissera a Peri que queria ver uma onça viva.
D. Álvaro elogiou o selvagem, D. Lauriana disse que se estava morto não perderia grande coisa e, afastados os velhos, Álvaro sentiu o coração saltar-lhe do peito. Entregou a Ceci sua encomenda. Duas pistolas, rendas, sedas e adereços femininos; Ceci foi deitar-se, mas antes viu o vulto de Peri que retornava à casa. Ficou tranqüila.
Depois, pensou em Álvaro e na recusa do presente que lhe trouxera o que tinha causado mágoa ao rapaz.

Senhora

Publicado pela primeira vez em 1875, Senhora gira ao redor do seguinte argumento: Aurélia Camargo, filha de uma pobre costureira, namorara Fernando Seixas, mas este desfizera a ligação movido pela vontade de realizar um casamento com moça rica (Adelaide Amaral). Passado algum tempo, a jovem, então órfã, recebe vultuosa herança do avô e ascende socialmente, guiada pelo desejo de vingar-se da afronta. Sabendo que seu antigo namorado, ainda solteiro, andava em dificuldades financeiras, resolve comprá-lo para marido. Firmado o contrato, o protagonista suporta durante meses os remoques da Aurélia, até que um dia consegue erguer o dinheiro que a moça empregara na “compra”, e assim obtém a liberdade. A heroína, vencida pelo sentimento que nela não morrera, e pela regeneração do moço, ao receber a quantia dá-lhe a chave da alcova, e o casamento se consuma. Escolheu-se para representar o romance o primeiro capítulo da primeira parte, intitulada “O Preço”:
Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela.
Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disputou o cetro; foi proclamada a rainha dos salões.
Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponibilidade.
Era rica e formosa.
Duas opulências, que se realçam como a flor em vaso de alabastro; dois esplendores que se refletem, como o raio de sol no prisma do diamante.
Quem não se recorda de Aurélia Camargo, que atravessou o firmamento da Corte como brilhante meteoro, e apagou-se de repente no meio do deslumbramento que produzira o seu fulgor?
Tinha ela dezoito anos dezoito anos quando apareceu a primeira vez na sociedade. Não a conheciam; e logo buscaram todos com avidez informações acerca da grande novidade do dia.
Dizia-se muita coisa que não repetirei agora, pois a seu tempo saberemos a verdade, sem os comentos malévolos de que usam vesti-la os noveleiros.
Aurélia era órfã; tinha em sua companhia uma velha parenta, viúva, D. Firmina Mascarenhas, que sempre a acompanhava na sociedade.
Mas essa parenta não passava de mãe de encomenda, para condescender com os escrúpulos da sociedade brasileira, que naquele tempo não tinha admitido ainda certa emancipação feminina.
Guardando com a viúva as deferências devias à idade, a moça não declinava um instante do firme propósito de governar sua casa e dirigir suas ações como entendesse.
Constava também que Aurélia tinha um tutor; mas essa entidade desconhecida, a julgar pelo caráter da pupila, não devia exercer maior influência em sua vontade, do que a velha parenta. (...)


ESTÉTICA

O excerto que se acabou de ler pertence a um romance de costumes, ou em que Alencar desenhou um dos “perfis de mulher” que pontilham sua obra de ficção. O tempo da narração, sendo o passado, auxilia a compor essa atmosfera de reconstituição histórica de uma psicologia sui generis de mulher e daqueles que lhe marcam o destino. Na verdade, o ar de quem está conscientemente desencavando da crônica verídica um relato digno de atenção, manifesta-se expressamente nos dois parágrafos derradeiros: “Não acompanharei Aurélia em sua efêmera passagem pelos salões da Corte”, etc. Sobre esse panorama reminiscente projeta-se a evolução e um drama amoroso tão romântico quanto o que serve de mola a O Guarani. O ficcionista não esconde que lhe conhece todos os rebates da alma, como se lhe visse o “eu profundo” estampado no “eu social”, e ao enfatizar-lhe a beleza física mais ou menos esquematizada, trai um intuito nacionalista: “lindo semblante”, “olhos grandes e rasgados”. Note-se, ainda, outro condimento romântico, a presença do dinheiro, assinalando a identificação entre o Romantismo e a classe burguesa, cuja elevação na pirâmide social se operou no século XIX, colocando em lugar dos valores de sangue os valores de posse: “As revoltas mais impetuosas de Aurélia eram justamente contra a riqueza”, etc. Para exprimir as várias gamas das trocas sociais na Corte sofisticada do tempo, Alencar utiliza uma prosa de cronista, em que o poético cede vez ao descritivo, mas onde perduram indelevelmente os ingredientes que o tornam o primeiro grande estilista na ordem histórica de nossas letras.[1]


[1] MOISÉS, Massaud. A Literatura através dos textos. 24ª ed. CULTRIX. São Paulo, 2004.

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