terça-feira, 5 de abril de 2011

JOAQUIM NABUCO


Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo (Recife, 1849 - Washington, 1910). Formou-se em Direito pela Escola do Recife, após ter cursado os três primeiros anos em São Paulo, e de ter se bacharelado em Letras no Colégio Pedro II. Logo após concluir o curso, ingressou no serviço diplomático. Teve ativa participação política em prol da abolição do sistema escravocrata, tendo sido eleito mais de uma vez deputado geral pela província de Pernambuco. Após deixar a vida política de lado, com a queda da monarquia, dedicou-se à literatura e à advocacia, em seu chamando “exílio voluntário”. Nessa época, foi criada a Academia Brasileira de Letras, fruto de suas relações com outros grandes escritores, como Machado de Assis e José Veríssimo, enquanto freqüentadores da redação da Revista Brasileira. Como jornalista, foi representante do Jornal do Commercio em Londres, sendo também colaborador daquele, por várias vezes. E antes mesmo de ingressar na diplomacia, defendeu os ideais monárquicos com publicações em A Reforma. Ocupando o cargo de embaixador, faleceu em Washington.

§        Bibliografia

- 1872: Camões e os Lusíadas
- 1874: L’Amour est Dieu
- 1883: O Abolicionismo
- 1885: Campanha abolicionista no Recife
- 1886: O erro do Imperador; Escravos
- 1890: Porque continuo a ser monarquista
- 1895: Balmaceda; O dever dos monarquistas
- 1896: A intervenção estrangeira durante a revolta
- 1899: Um estadista do Império
- 1900: Minha formação - Memórias
- 1901: Escritos e discursos literários
- 1906: Pensées detachées et souvenirs

"A nossa Constituição não é imagem dessas catedrais góticas edificadas a muito custo e que representam no meio da nossa civilização adiantada, no meio da atividade febril do nosso tempo, épocas de passividade e de inação. A nossa Constituição é, pelo contrário, de formação natural, é uma dessas formações como a do solo onde camadas sucessivas se depositam; onde a vida penetra por toda a parte, sujeita ao eterno movimento, e onde os erros que passam ficam sepultados sob as verdades que nascem." – Joaquim Nabuco, sobre a interpretação Constitucional.

Minha Formação

Autobiografia, publicou-se pela primeira vez, embora não integralmente, no Comércio de São Paulo, em 1895. Em volume, apareceu em 1900. Composta de 26 capítulos, a obra se inicia na fase “Colégio e Academia”, e finda em 1889. Entre as duas raias de tempo, desfilam os principais episódios de uma vida uniforme, em que o panorama local se compagina com os grandes centros internacionais de cultura, notadamente a França, a Inglaterra e os EUA, e em que “a crise poética” (cap. VIII) tem contrapeso na “eleição de deputado” (cap. XIX) e na Abolição (cap. XXI). O fragmento que se transcreve a seguir, pertence ao capítulo XX, intitulado “Massangana”, das páginas mais antológicas de quantas inspirou o talento de Joaquim Nabuco:

(...) Os primeiros oito anos da vida foram assim, em certo sentido, os de minha formação, instintiva ou moral, definitiva... Passei esse período inicial, tão remoto, porém mais presente do que qualquer outro, em um engenho de Pernambuco, minha província natal. A terra era uma das mais vastas e pitorescas da zona do Cabo... Nunca se me retira da vista esse pano de fundo que representa os últimos longes de minha vida. (...)
(...) Emerson quisera que a educação da criança começasse cem anos antes dela nascer. A minha educação religiosa obedeceu certamente essa regra. Eu sinto a idéia de Deus no mais afastado de mim mesmo, como o sinal amante e querido de diversas gerações. Nessa parte a série não foi interrompida. Há espíritos que gostam de quebrar todas as suas cadeias, e de preferências as que outros tivessem criado para eles; eu, porém, seria incapaz de quebrar inteiramente a menor das correntes que alguma vez me prendeu, o que faz que suporte cativeiros contrários, e menos do que as outras uma que me tivesse sido deixada como herança. Foi na pequena capela de Massangana que fiquei unido à minha. (...)
(...) Meus moldes de idéias e de sentimentos datam quase todos dessa época, as grandes impressões da madureza não têm o condão de me fazer revive que tem o pequeno caderno de cinco a seis folhas apenas em que as primeiras hastes da alma aparecem tão frescas como se tivessem sido calcadas nesta mesma manhã... (...)
(...) Nessa escravidão da infância não posso pensar em um pesar involuntário... Tal qual o pressenti em torno de mim, ela conservava-se em minha recordação como um jogo suave, orgulho exterior do senhor, mas também orgulho íntimo do escravo, alguma coisa parecida com a dedicação do animal que nunca se altera, porque o fermento da desigualdade não pode penetrar nela. (...)

ESTÉTICA

Posto situar-se, com Minha Formação, na área do memorialismo, e gozar de uma personalidade inconfundível, Joaquim Nabuco apresenta a mesma característica fundamental de Euclides da Cunha: escritor acima de tudo, nele prevalece o domínio das matrizes da língua sobre o da fantasia criadora. Noutros termos, vale mais pelos méritos estilísticos, já que seu intuito básico, sendo a reconstituição “sincera” da própria existência, o afastava da imaginação, que é a mola propulsora do ficcionista, do dramaturgo e do poeta. Assim, a página que se leu, provavelmente conhecida do leitor pelo fato de se peça obrigatória em qualquer antologia do vernáculo, nos patenteia as excelências de um estilo caracterizado pela nitidez, pelo casticismo, por uma espécie de aticismo que o aproximara dos clássicos. Percebe-se, porém, que esse conservadorismo se põe em litígio com um substrato sensível à humanidade e à simplicidade, que remonta à infância, e com um pensamento filosófico elaborado na idade madura, com fundamento naquelas impressões da puerícia. No final, essa concepção empática e romântica do cativo assinala uma postura refinada, oriunda de um homem inserido nas classes elevadas, balançando-se entre um sentimento profundo, recuado à infância, que lhe determinou os estereótipos mentais de adulto, e uma doutrina igualitarista em parte promanada desse mesmo sentimento, e em parte do saber que a experiência dos homens e do mundo lhe foi permitindo assimilar no curso da vida consciente. Feitas as contas, pode-se concluir que o estilo depurado, bem como a matéria que reveste, decorrem de uma visão apolínea do Cosmos, pouco freqüente na Literatura Brasileira.[1]


[1] MOISÉS, Massaud. A Literatura através dos textos. 24ª ed. CULTRIX. São Paulo, 2004.

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