terça-feira, 5 de abril de 2011

GRAÇA ARANHA

José Pereira da Graça Aranha nasceu em São Luís do Maranhão, a 21 de junho de 1868. Formado em Direito no Recife (1886), é nomeado Promotor Público e mais tarde Juiz de Direito, no Estado natal, e Juiz Municipal, no Espírito Santo. Fundada a Academia Brasileira de Letras (1897), ocupa uma de suas cadeiras. Em 1902, publica Canaã, e em 1911 representa, em Paris, a peça Malazarte. Regressa ao Brasil em 1920, imbuído do espírito de vanguarda, e, recusando o passado acadêmico, engaja-se na revolução modernista. Ainda publica O Espírito Moderno (1925) e A Viagem Maravilhosa (1927), e falece no Rio de Janeiro, a 27 de fevereiro de 1931.

§        Além das obras referidas, escreveu:

- 1921: A Estética da Vida;
- 1923: Correspondência entre Machado de Assis e Joaquim Nabuco;

Canaã

Publicado em 1902, este romance passa-se em Porto de Cachoeiro, no Espírito Santo. Dois imigrantes alemães, Milkau e Lentz, tratavam um longo debate a cerca da terra que elegeram para a segunda pátria: o primeiro, orientado por um relevante idealismo e senso de fraternidade; o segundo, racista e preconceituoso. Terminada a disputa ideológica, a ação desloca-se para a vida do pequeno povoado, suas festas, seus dramas, etc. Milkau enamora-se de Maria, empregada na casa de abastados compatriotas seus, e que havia sido seduzida pelo filho dos patrões. Expulsa de casa perambula pela colônia, até que vem dar à luz junto de um rio. Devorado pelos porcos o recém-nascido, a jovem é presa sob acusação de infanticídio. Milkau tira-a de lá e ambos fogem, numa escalada simbólica em busca da terra da Promissão. Ao epílogo (capítulo XII) pertencem as páginas seguintes: 
- Maria!
A desgraçada estremeceu; e com as mãos hirtas, estiradas, afastou de si o rosto que se inclinara sobre ela. Nas torturas do pesadelo, parecia-lhe que beiços roxos, sedentos e viscosos lhe buscavam os lábios...
- Maria, sou eu... repetiu Milkau. (...)
(...) - Vamos! Levanta-te... disse ele, baixo e com firmeza, sacudindo o morno carinho, recolhendo e enfeixando com energia as suas forças mais intensas.
Obedecendo, Maria ergueu-se; e pela mão de Milkau foi seguindo pela casa meio escura. No corredor, a claridade da noite, que entrava pela porta da rua, aberta como de costume, deixava ver o corpo de um soldado negro dormindo numa postura brutal, como uma figura tosca e arcaica. A prisioneira alarmada quis recuar; Milkau tomou-lhe as mãos com império e passou com ela serena e forte ao lado da sentinela, conduzindo-a para a noite e para a liberdade. (...)
(...) Deixaram a cidade, e agora sem receio de despertá-la, galgavam a montanha, lépidos e radiantes. A fria rigidez, criada pelo terror, se fora dos braços de Maria, que se prendiam aos de Milkau, trépidos e brandos. (...)
(...) – É a felicidade que te prometo. Ela é da Terra, e haveremos de achá-la... Quando vier a luz, encontraremos outros homens, outro mundo, e aí... É a felicidade... Vem, vem... (...)
(...) – Adiante... Adiante... Não pares... Eu vejo. Canaã! Canaã!
Mas o horizonte na planície se estendia pelo seio da noite e se confundia com os céus. Milkau não sabia para onde o impulso os levava: era o desconhecido que os atraía com a poderosa e magnética força da Ilusão. Começava a sentir a angustiada sensação de uma corrida no Infinito... (...)
(...) A noite enganadora recolhia-se, o mundo cansava de ser igual; Milkau festejou num frêmito de esperança a deliciosa transição... Enfim, Canaã ia revelar-se!... A nova luz sem mistério chegou, e esclareceu a várzea. Milkau viu que tudo era vazio, que tudo era deserto, que os novos homens ainda ali não tinham surgido. Com as suas mãos desesperançadas, tocou a Visão que o arrastara. Ao contato humano ela parou, e Maria volveu outra vez para Milkau a primitiva face moribunda, os mesmos olhos pisados, a mesma boca murcha, a mesma figura de mártir. (...)




ESTÉTICA

Obra anfíbia, Canaã pende entre romance e documentário, entre a prosa poética e a prosa doutrinal, entre o Naturalismo e o Simbolismo. Ainda em conformidade com o ideário simbolista, Canaã implica uma tese acerca da redenção do Homem oposta à defendida pelos realistas e naturalistas: “Todo o mal está na Força e só o Amor pode conduzir os homens...” Tese que encerra uma utópica e panteística visão do mundo, contrária à certeza objetiva e científica dos realistas, como se nota principalmente no parágrafo final, espécie de mensagem de esperança após os dois visionários terem descoberto o malogro de seu Eldorado. A linguagem procura acompanhar o fluxo e refluxo da ambiência lírica: apreendendo a vibração estética que cruza a Natureza e o casal de namorados, a dicção de Graça Aranha ganha um automatismo que, se nem sempre consegue repelir expressões menos felizes, no geral resulta positivamente.[1]


[1] MOISÉS, Massaud. A Literatura através dos textos. 24ª ed. CULTRIX. São Paulo, 2004.

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