quarta-feira, 27 de abril de 2011

FAGUNDES VARELA


Luís Nicolau Fagundes Varela (Rio Claro, 1841 – Niterói, 1875). Entrou para a faculdade de Direito de São Paulo em 1862. Sofreu com a perda de seu primeiro filho, falecido com três meses de idade. Em 1865, transfere-se para a Faculdade de Direito do Recife, mas logo abandona o curso e volta para São Paulo, após a morte da esposa. Dominado pelos vícios, e vivendo à custa do pai, falece aos 33 anos.

Fagundes Varela pode ser considerado tanto um poeta da 2ª como da 3ª geração romântica. Um homem torturado, revoltado com a morte prematura de seu filho de três meses, entregou-se à boêmia e à bebida. Por outro lado, possuía uma preocupação com o social, com a condição humana. A natureza sempre o atraiu desde os tempos de criança. Possuía também uma religiosidade, manifestada em versos de inspiração bíblica. Há um claro contraste na vida do poeta: a busca da natureza como refúgio; a volta para a cidade, local de perdição. Na cidade, Fagundes Varela não pode livrar-se das suas inquietações, a não ser quando está mergulhado no álcool. A lembrança do episódio da morte do filho deixava-o transtornado e fragilizado.

§  Bibliografia:

- 1861: Noturnas
- 1863: O Estandarte Auriverde
- 1864: Vozes da América
- 1865: Cantos e Fantasias
- 1869: Cantos Meridionais; Cantos do Ermo e da Cidade
- 1875: Anchieta, ou O Evangelho da Selva
- 1878: Cantos Religiosos
- 1880: Diário do Lázaro

A Volta
A casa era pequenina,
Não era? Mas tão bonita
Que lembrando dela, não é?

Quero voltar? Eu te sigo.
Eu amo o ermo profundo
A paz que foge do mundo
Preza os tetos de sapé.

Bem vejo que tens saudades.
Não tens? Pobre passarinho!
De teu venturoso ninho
Passaste à dura prisão!

Vamos, as matas e os campos
Estão cobertos de flores,
Tecem mimosos cantores
Hinos à bela estação.

E tu mais bela que as flores...
Não cores...aos almos cantos
Ajuntarás os encantos
De teu gorjeio infantil.

Escuta, filha, a estas horas
Que a sombra deixa as alturas,
Lá cantam as saracuras
Junto aos lagos cor de anil...

Os vaga-lumes em bando
Correm sobre a relva fria,
Enquanto o vento cicia
Na sombra dos taquarais;

E os gênios que ali vagueiam
Mirando a casa deserta,
Repetem de boca aberta:
Acaso não virão mais?

Mas nós iremos, tu queres,
Não é assim? Nós iremos,
Mais belo reviveremos
Os belos sonhos de então.

E, à noite, fechada a porta,
Tecendo planos de glórias,
Cantaremos mil histórias
Sentados junto ao fogão. [1]


ESTÉTICA

Conquanto deva muito aos poetas que o precederam, Fagundes Varela representa uma voz de autonomia e inconformação nos quadros de nosso Romantismo, por vezes elevada a ponto de raiar na genialidade, e baixa a ponto de tombar na mediocridade. Os poemas selecionados documentam os instantes de ascensão, embora uma que outra solução expressiva denuncie a queda na pressão lírica. Por outro lado, retratam apenas dois aspectos da mundividência de Varela: é que, “sertanista, bucólico, lírico, paisagista, épico, místico, descritivo, humorista, tudo ele foi, um pouco de cada vez” (Edgard Cavalheiro, Introdução às Poesias Completas, Ed. cit., p. 21).
Dir-se-ia ausente a “literatura” em favor duma naturalidade que só é artística por feliz coincidência: sem artificialismo, o poeta deixa transbordar a mágoa que o atormenta, no primeiro poema, e canto otimista e campestre que se ergue no outro. A impressão é que o lirismo jorra aderido ao ato de sentir, e como Varela fosse um sensitivo a sofrer em alta e contínua tensão todas as experiências, cada transe sombrio ou cor-de-rosa de sua vida acabou assumindo tonalidade pura ou extrema. Assim, a dor de perder um filho motiva um poema que é das expressões máximas de nossa poesia religiosa, graças à fusão do desespero com uma forma de comovida eloqüência: vale notar que a temperatura das estrofes acompanha de perto a do sentimento que revolve o poeta, como se, pela verbalização, o tormento fosse diminuindo gradativamente, numa progressão que culmina no apaziguamento final (V. quatro versos finais). Nenhum poeta romântico brasileiro teve existência tão desgraçada, e nenhum outro de seu tempo ainda espera o juízo que merece: “inspirado”, espécie de Baudelaire aflito e ingênuo, situa-se no mesmo nível de nossos grandes românticos, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo e Castro Alves.


[1] SANTOS, Rubens Pereira dos. Poetas Românticos Brasileiros. Scipione. São Paulo, 1997. Pág. 49.

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