terça-feira, 5 de abril de 2011

CORNÉLIO PENNA

Cornélio de Oliveira Penna (Petrópolis, 1896 – Rio de Janeiro, 1958). Estudou Direito em São Paulo, formando-se em 1919. No ano seguinte, muda-se para o Rio de Janeiro, onde dá início à carreira artística, como pintor, desenhista e escritor.  Trabalhou como redator e desenhista para alguns jornais da época. Na década de 30, decidiu por abandonar as artes plásticas e dedicar-se exclusivamente à atividade literária.

§        Bibliografia

- 1936: Fronteira
- 1939: Dois Romances de Nico Horta
- 1948: Repouso
- 1954: Menina Morta
- 1958: Romances Completos
- 1878: O matuto; Lourenço; Lendas e tradições do norte
- 1879: O sacrifício

“Podemos aperfeiçoar nossa personalidade, repito, formando o nosso espírito e o nosso coração, mas sistematizar a nossa obra, criar regras e fórmulas restritas é morrer como criador e passar a ser apenas máquina.”

Fronteira

Romance em forma de diário, gravita em torno do conflito místico-passional entre o Narrador e Maria Santa, que fazia jus ao apelativo graças aos “milagres” que praticava. Num clima irreal, as páginas do diário registram os encontros das personagens num casarão sombrio do interior mineiro, que culminam pela morte da heroína. O fragmento que se vai ler, surpreende alguns momentos dessa vida, paixão e morte de uma crente em perpétua dúvida.


XXIII

- É verdade, - disse Maria Santa.
E eu despertei como de um pesadelo, e percebi que deveria ter recitado o que dissera, como no teatro, tomando, insensivelmente, as entonações e gestos convencionais dos artistas.
Maria Santa, abstraída e conservando sempre o seu meio sorriso, interrompera-me com ligeira impaciência, e agora tomava a atitude discreta e embaraçada das pessoas que querem e não querem, ao mesmo tempo, que nos apercebamos de que elas nos acham risíveis.
- Sei que você tem sofrido muito – continuou, fazendo os mesmos movimentos e tomando o mesmo timbre de voz que eu – sei que você tem sofrido, e que o “sombrio mistério de sofrimento e mal moral” de que você me tem falado tantas vezes...
Parou de falar, e fechou os olhos ruborizada, como se revivesse uma visão vergonhosa, e a sua voz tornou-se, de repente, sincera e trêmula, quando murmurou: tenho pena de nós...
Reabrindo os olhos depois disse-me com tranqüilidade desdém:
- Mas você continuou – e repetiu – você continuou...


ESTÉTICA

Fronteira se inscreve, bem como as demais narrativas de Cornélio Pena, na área da ficção introspectiva, que entre nós se instalou contemporaneamente ao romance nordestino de cunho social. Refletia o romance europeu dos anos trinta voltado para o problema da condição humana, notadamente a do católico oscilante entre a Fé e o Pecado; e, até certo ponto, o psicologismo machadiano. Fronteira  não só inaugura uma série de romances na mesma trilha como avulta por suas qualidades intrínsecas: além de não transformar o romance em confissão indireta de sua crença, ou “agonia” cristã, - o que redundaria em artificiosidade e malogro – o ficcionista soube criar uma ambiência que, podendo ser típica da Minas interiorana, é universal, e nela descortinar uma figura humana de raro porte em nossa galeria de personagens femininas, e que sai da narrativa para permanecer como protótipo de certa mulher brasileira -, Maria Santa.[1]


[1] MOISÉS, Massaud. A Literatura através dos textos. 24ª ed. CULTRIX. São Paulo, 2004.

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