quarta-feira, 27 de abril de 2011

COELHO NETO

               
Henrique Maximiliano Coelho Neto nasceu em Caxias (Maranhão), a 21 de fevereiro de 1864, de pai português e mãe indígena amazonense. Ainda menino, é levado para o Rio de Janeiro, onde cursa o Colégio Pedro II. Em 1883, vem para São Paulo estudar Direito, e daqui se transfere para Recife, de onde regressa no ano seguinte. Abandonando a intenção de realizar estudos superiores, muda-se para o Rio de Janeiro e abraça o jornalismo e o magistério, ao mesmo tempo que se dedica a uma profícua e estafante produção literária, a partir de 1891, com o volume de contos Rapsódias. Cercado de glórias viaja para a Europa (1913) e vê seus livros serem vertidos para outros idiomas. Presidiu a Academia Brasileira de Letras (1926), e Foi aclamado “Príncipe dos Prosadores Brasileiros”. Faleceu a 28 de novembro de 1934.

§  Romances:

- 1893: A Capital Federal
- 1895: Miragem
- 1898: A Conquista
- 1898: O Morto
- 1901: A Esfinge
- 1906: Turbilhão
- 1914: Rei Negro
- 1928: Fogo-Fátuo

§  Contos:

- 1896: Sertão
- 1905: Água de Juventa
- 1908: O Jardim das Oliveiras
- 1913: Banzo
- 1928: A Cidade Maravilhosa

§  Crônicas:

- 1889: O Meio
- 1894: Bilhetes Postais
- 1898: Lanterna Mágica
- 1899: Por Montes e Vales

§  Teatro:

- 1911: Vol. I
- 1907: Vol II e Vol III
- 1908: Vol IV
- 1918: Vol V
- 1926: Vol VI
- 1924: Memórias, Mano
- 1927: Canteiro de Saudades
- 1905: Ensaio e Didática, Compêndio de Literatura Brasileira
- 1909: Conferências Literárias
De Sertão, que reúne do melhor que Coelho Neto produziu em matérias de conto, escolheu-se e seguinte peça:

 Firmo, o Vaqueiro

(...) Firmo era meu companheiro quando eu ia passar as férias na roça.  O que ele sabia de histórias, e como as contava fazendo a voz enternecida e meiga para imitar as princesas que imploravam ou arremetendo com vozeirão terrível para que eu tivesse a impressão exata do bradar horrível dos gigantes antropófagos.  E não só história dos livros, outras sabia que eu jamais em letras vira: a que descrevia a vara branca seduzindo o remador do Itapicuru e o conto do sucupira, com que no bom tempo faziam cessar a minha impertinência.  Algumas eram inventadas por ele, diziam;  outras o velho Firmo, vaqueano e andejo, aprendera por esses sertões de Deus por onde caminhara. (...)
(...) Velho, embora, “ninguém lhe chegava ao pé sem muito jeito”, como ele próprio dizia sorrindo som os seus dentes limados, agudos como pontas de frechas.  Apesar de alquebrado e enfermo andava com arrogância e notava-se-lhe na voz, áspera e forte, o hábito de comando.
Em tempos de festa, quando vinham para a mesma eira moças do lugar e moças de mais longe, Firmo saltava na roda, sapateando, rasgando na viola a tirana dos campeiros, e quem ousava pegar no verso do caboclo?!  As tabaroas morenas sorriam com os olhos fascinados e unidas desfaziam-se das flores para que o cantador as fosse pisando no sapateado… por isso o Firmo andava sempre de ponta com os companheiros e, mais uma vez, o descante acabou varrido à faca; mas quem ficasse do lado do caboclo podia estar descansado – nunca fugiu de arreliam fosse com um, fosse com dez ou mais.
Mãezinha, a velha mucama de casa, quando o via passar no caminho, curvado pitando o seu cachimbo de taquara, dizia maliciosa:
–  Isso, ahn!  isso, foi o diabo!
Firmo “vivia encostado no tempo de dantes”, a saudade era o seu conforto.  “Hoje em dia qu’a gente vê? má língua e moleza só”, dizia e citava os valentes de antanho e mostrava as velhas gabando-lhes a beleza que a idade fanara: “Sarapião, homem que nem o diabo!… Ana Rosa, essa curumba… foi mulata de dengue, era um motim aqui em cima por causa dela.  Filomena, com essa cara de peixe moqueado, teve o seu luxo e foi gente…  Eu também pisei duro, ora!” (...)
(...) Firmo ficava enlevado acompanhando os movimentos da manada, inclinando-se para um lado, para o outro, aspirando sôfrego.  De repente batia as palmas e juntava, logo em seguida, as mãos na boca à guisa de porta-voz, bradando:
–  Eh! eh! eh cou!  ruma!  ruma!  Eh! lou!…
E ficava longo tempo excitado, a olhar.  Não perdia uma só das peripécias e, se um touro espirrava, correndo aos galões pela campina, o velho entrava a bramar do outeiro, tão alto, tão alto, que as raparigas, que andavam na eira recolhendo a roupa ou socando o arroz, paravam assustadas erguendo os olhos para o lado da palhoça do vaqueiro velho.  Mas ninguém o acomodava antes de ser laçado o boi fujão e quando o vaqueiro aparecia, arrastando o animal laçado,  Firmo suspirava baixinho:
–  Ah!  Nossa Senhora!  meu tempo! (...)

ESTÉTICA

Esquecido pelas gerações formadas à luz do Modernismo, Coelho Neto já pode ser avaliado objetivamente: nem tão genial quanto permitia crer sua imperturbável fecundidade, nem tão despiciendo quanto faziam supor as demasias de seu estilo. Aqui, sem dúvida, a pedra de toque do problema, pois sua opulência verbal, que durante anos lhe sustentou o prestígio, acabou sendo relegada ao plano das superfetações genuinamente tropicais. Todavia, na afoita generalização com que se lhe rubricou a obra, muita injustiça se cometeu, porquanto não distinguia o produto de superior qualidade dos outros forjados na luta do ganha-pão diário. À primeira categoria pertence o volume Sertão, de que foi selecionado “Firmo, o Vaqueiro”. Neste conto, percebe-se que a linguagem de Coelho Neto se caracteriza por certo portuguesismo ou casticismo, ainda que se trate de uma narrativa regionalista, e que o narrador emprega um vocábulo parcimonioso, adequado ao tema, que colabora eficazmente para a concisão e harmonia do conjunto. Nem tudo, portanto, era exagero em Coelho Neto, inclusive seu realismo, que nada possui de ortodoxo ou de escola: nascido de uma inclinação medular (dir-se-ia atávica, herança da mãe indígena) para o visualismo, à semelhança de um pintor voltado para as questões sociais, não raro se mescla de um idealismo ou duma tendência para o desgarramento da fantasia, que atenua ainda mais o verismo das cenas. Daí que o ficcionista construa uma fábula regionalista a meio caminho entre o Realismo e o Simbolismo, graças à ambigüidade com que divisa a cor local. Crônica de uma existência monocolor a ocultar uma rica sabedoria das coisas, o conto atesta as qualidades literárias de seu criador e ocupa lugar de honra na evolução da Literatura Brasileira como uma das obras-primas no gênero. [1]


[1] MOISÉS, Massaud. A Literatura através dos textos. 24ª ed. CULTRIX. São Paulo, 2004.

Nenhum comentário:

Postar um comentário