quarta-feira, 27 de abril de 2011

AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO


Afonso Arinos de Melo Franco (Paracatu, 1868 - Barcelona, 1916). Formou-se em Direito na Universidade de São Paulo, no ano de 1889. Lecionou História do Brasil no Liceu Mineiro, e participou da fundação da Faculdade de Direito de Minas Gerais, onde lecionou Direito Criminal. Teve artigos publicados na Revista Brasileira e na Revista do Brasil. Em 1901 foi eleito para a cadeira 40 da Academia Brasileira de Letras.



§  Bibliografia:

- 1898: Pelo sertão; Os jagunços
- 1900: Notas do dia
- 1917: O contratador de Diamantes; A unidade da Pátria; Lendas e Tradições Brasileiras
- 1918: O mestre de campo
- 1921: Histórias e paisagens; Ouro, ouro. De Pelo Sertão, livro de contos que lhe deu notoriedade escolheu-se uma das narrativas mais bem conseguidas:

Pedro Barqueiro

(...) “Eis senão quando entra o patrão, com aqueles modos decididos, e, voltando-se para um moço que o acompanhava, disse: “Para o Pedro Barqueiro bastam estes meninos!”– apontando-me e ao Pascoal com o indicador. – “Não preciso bulir nos meus peitos largos. O Flor e o Pascoal dão-me conta do crioulo aqui, amarrado a sedenho”.
“Para mentir, patrãozinho? o coração me pulou cá dentro, e eu disse comigo – estou na unha! O Pascoal me olhou com o rabo dos olhos. Parece que o patrão nos queria experimentar. Éramos os mais novos dos camaradas, e nunca tínhamos servido senão no campo, juntando a tropa espalhada, pegando algum burro sumido. Eu tinha ouvido falar sempre no Pedro Barqueiro, que um dia aparecera na cidade sem se saber quem era, nem donde vinha. Cheguei uma vez a conhecê-lo e falamo-nos. Que boa peça, patrãozinho! Crioulo retinto, alto, troncudo, pouco falante e desempenado. Cada tronco de braço que nem um pedaço de aroeira”. (...)
(...) “Esse negro metia medo de se ver, mas era bonito. Olhava a gente assim com ar de soberbo, de cima para baixo. Parecia ter certeza de que, em chegando a encostar a mão num cabra, o cabra era defunto. Ninguém bulia com ele, mas ele não mexia com os outros. Vivia seu quieto, em seu canto. Um dia, pegaram a dizer que ele era negro fugitivo, escravo de um homem lá das bandas do Carinhanha. Chegou aos ouvidos do patrão esse boato. Para que chegou, meu Deus! O patrão não gostava de ver negro, nem mulato de proa. Queria que lhe tirassem o chapéu e lhe tomassem a bênção. (...)

ESTÉTICA

É sabido que, durante a hegemonia do Romantismo, a temática regionalista, sendo produto de gabinete, não passou da fase embrionária. Tentaríamos de aguardar a eclosão do Realismo para que amadurecesse, inicialmente nos contos de Valdomiro Silveira, esparsos em jornal e tão-somente reunidos em volume anos depois, e no livro Pelo Sertão, de Afonso Arinos, que assim se tornou o introdutor dessa corrente em nossa literatura. “Pedro Barqueiro”, narrativa escolhida para representar o ficcionista mineiro, integra a referida obra. Conto de personagem focaliza um tipo humano inspirado no regime escravagista reinante no século XIX. A despeito de evidenciar um esforço de superação do idealismo abolicionista e utópico que alimentava a última geração romântica, Afonso Arinos, navegando nas mesmas águas do Aluísio Azevedo dO Mulato e da Bertoleza dO Cortiço, edifica um homem ambíguo na pessoa do herói. Sem definir-se como falha, tal circunstância assinala uma visão do problema da escravidão que busca detectar o para-além das aparências.
       Por outro lado, embora o conto gire em torno de um escravo foragido, altamente dotado de força física e moral, não se lhe percebe maior incidência de componentes românticos no caráter: o escritor procurou retratá-lo com objetividade, como se protagonizasse um “caso” verdadeiro, incluindo aquele não sei quê de irreal ou insólito que lhe aureola a cabeça. Desse ângulo, o possível libelo contra a escravidão, que estaria implícito no conto, ganha nova coloração, pois se trata de mostrar que Pedro reunia qualidades superiores às dos sues inimigos. Em decorrência, praticava-se dupla injustiça: contra ele, merecedor de liberdade porque o cativeiro é sempre iníquo, e contra suas virtudes excepcionais. O estilo, que surpreende com relativa autenticidade o falar caboclo, seque de perto o ritmo de um flagrante social em que se reflete o drama de um homem de fibra acossado pela lei e a incompreensão dos semelhantes. [1]


[1] MOISÉS, Massaud. A Literatura através dos textos. 24ª ed. CULTRIX. São Paulo, 2004.

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