Álvaro de Barros Lins (Caruaru, 1912 — Rio de Janeiro, 1970). Estudou Direito no Recife, terminando o curso em 1935. Atuou como professor secundário, lecionando Geografia e História. Foi Secretário do Governo Estadual de Pernambuco em 1934. Envolveu-se com a atividade política, concorrendo a uma vaga na Câmara dos Deputados, na chapa do Partido Social Democrático. Não obtendo sucesso, passou a dedicar-se ao jornalismo, como diretor e redator do Diário da Manhã. Transfere-se para o Rio de Janeiro, onde publicou obras no Diário de Notícias e nos Diários Associados, e foi redator-chefe do Correio da Manhã.
§ Bibliografia
- 1933: A universidade como escola de homens públicos;
- 1939: História literária de Eça de Queiroz; Alguns aspectos da decadência do Império;
- 1941: Jornal de crítica: primeira série;
- 1942: Poesia e personalidade de Antero de Quental;
- 1943: Jornal de crítica: segunda série; Notas de um diário de crítica - Primeiro volume; Palestra sobre José Veríssimo;
- 1944: Jornal de crítica: terceira série;
- 1945: Rio Branco;
- 1946: Jornal de crítica: quarta série;
- 1947: No mundo do romance policial; Jornal de crítica: quinta série;
- 1951: Jornal de crítica: sexta série; A técnica do romance em Marcel Proust ;
- 1956: Roteiro literário do Brasil e de Portugal: antologia da língua portuguesa; Discurso sobre Camões e Portugal; Discurso de posse na Academia;
- 1960: Missão em Portugal: diário de uma experiência diplomática – I;
- 1962: A glória de César e o punhal de Brutus;
- 1963: Os mortos de sobrecasaca; O relógio e o quadrante; Girassol em vermelho e azul; Dionísios nos trópicos; Jornal de crítica: sétima série; Jornal de crítica: oitava série; Notas de um diário de crítica - Segundo volume; Literatura e vida literária;
- 1967: Sagas literárias e teatro moderno no Brasil; Filosofia, história e crítica na literatura brasileira; Poesia moderna no Brasil; O romance brasileiro; Teoria literária;
PERSONAGENS DE PROUST
Deste modo as personagens de Proust se acham destituídas de lógica, de uma lógica digamos exterior ou formal. Isto representa uma excelência na ficção; não é um defeito. Personagem lógica é personagem medíocre, prisioneira de estreitos limites, com as suas intenções já calculadas e os seus atos já previstos pelo próprio leitor. Porque, no mundo das figuras de ficção, a lógica de sentimentos e episódios significa: não fazer nada de extraordinário, não praticar nenhum ato desconcertante e surpreendente. Exige-se às vezes essa uniformidade, está claro, em nome das nossas visões ordinárias, convencionais e cotidianas, das visões que os homens comuns transmitem com os seus movimentos e ações dentro da vida. A arte, porém, não é a mesma coisa que a vida; o seu plano é o da superverdade e o da super-realidade. Além disso, as personagens de romance não são seres comuns, desde que têm uma história para ser contada ou apresentada. As de Dostoievski, por exemplo, são desmedidamente ilógicas segundo os padrões da nossa realidade. Um dos seus heróis protesta contra a tirania matemática do dois e dois são quatro. Protesta e prefere que sejam cinco. Por que será menos "lógico" do que aqueles que afirmam que são quatro? Será suficiente que ele conserve uma "lógica interna", a lógica da sua própria natureza. E essa "lógica interna" é também o sistema de peso e medida das personagens proustianas.
Não era do gosto de Marcel Proust a criação de figuras uniformes e invariáveis, de caracteres inteiriços: maciçamente bons ou maus, simpáticos ou antipáticos, superiores ou reles. Numa personagem encantadora como Saint Loup, por exemplo, ressalta de repente um aspecto vulgar e mesquinho, como naquele momento em que confessa ter transmitido a Bloch uma opinião confidencial do Narrador. Depois de haver sempre tratado o pobre diabo Saniette da maneira mais odiosa e indigna, e no momento mesmo em que vinha de colaborar numa canalhice, M. Verdurin pratica um ato surpreendente de bondade e generosidade para com aquele seu papa-jantares, dando-lhe uma pensão fixa de dez mil francos ao sabê-lo de todo arruinado. E a duplicidade de sentimentos - "les choses, en effet, sont pour le moins doubles", conclui o Narrador - gera conseqüências não menos imprevistas. Mlle. Vinteuil, que praticava o amor anormal com a sua amiga Léa, e que para excitar-se sadicamente nesse amor gomorriano profanava o retrato do seu pai morto, será depois quem mais contribuirá para a glória dele, promovendo a edição da principal obra músical de Vinteuil, reconstituída com a generosa colaboração daquela mesma amiga. E por intermédio dos amores igualmente anormais de Charlus e de Morel é que o septeto será executado e consagrado num salão de Paris, perante a aristocracia. Assim, os vícios de criaturas danadas de Sodoma e Gomorra geravam a pura e irreprochável glória do gênio artístico de Vinteuil.
Não sendo lógicas, as suas personagens também não são "tipos" representativos de situações gerais. São indivíduos, não são representações de um vício ou de uma virtude. O problema do tipo nas personagens de romance esteve presente em toda a ficção do século XIX, com exceção de um Stendhal, que ultrapassa como psicólogo os limites de sua época. Não havia maior ambição para um romancista do que criar uma personagem-símbolo. Uma personagem que simbolizasse a ambição ou a avareza, o político ou o burocrata, um sentimento ou uma profissão.
(Da técnica do romance em Marcel Proust , 1951.). [1]
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