Antonio Castilho de Alcântara Machado de Oliveira (São Paulo, 1901 – Rio de Janeiro, 1935). Por influência familiar, estudou Direito na Universidade de São Paulo. Fez também jornalismo literário e crônica teatral. Foi redator das revistas Terra Roxa e Outras Terras, Revista de Antropofagia e Revista Nova. Por volta dos anos 30, dedicou-se também à política, no partido democrático. Em 32 lutou pela Constituição e foi representante de São Paulo na Assembléia Nacional.
§ Bibliografia:
- 1926: Pathé-Baby
- 1927: Brás, Bexiga e Barra Funda
- 1928: Laranja da China; Anchieta na Capitania de São Vicente
- 1936: Mana Maria (inacabada)
- 1940: Cavaquinho e Saxofone
- 1940: Artigos de Jornal.
A Narrativa que se transcreve a seguir pertence ao primeiro livro de contos.
Gaetaninho
- Xi, Gaetaninho, como é bom!
Gaetaninho ficou banzando bem no meio da rua. O Ford quase o derrubou e ele não viu o Ford.
O carroceiro disse um palavrão e ele não ouviu o palavrão.
- Eh! Gaetaninho! Vem prá dentro.
Grito materno sim: até filho surdo escuta. Virou o rosto tão feio de sardento, viu a mãe e viu o chinelo.
- Subito!
Foi-se chegando devagarinho, devagarinho. Fazendo beicinho. Estudando o terreno. Diante da mãe e do chinelo parou. Balançou o corpo. Recurso de campeão de futebol. Fingiu tomar a direita. Mas deu meia volta instantânea e varou pela esquerda porta adentro.
Êta salame de mestre!
Ali na Rua Oriente a ralé quando muito andava de bonde. De automóvel ou carro só mesmo em dia de enterro. De enterro ou de casamento. Por isso mesmo o sonho de Gaetaninho era de realização muito difícil. Um sonho. (...)
(...) Tia Filomena teve um ataque de nervos quando soube do sonho de Gaetaninho. Tão forte que ele sentiu remorsos. E para sossego da família alarmada com o agouro tratou logo de substituir a tia por outra pessoa numa nova versão de seu sonho. Matutou, matutou, e escolheu o acendedor da Companhia de Gás, Seu Rubino, que uma vez lhe deu um cocre danado de doído.
Os irmãos (esses) quando souberam da história resolveram arriscar de sociedade quinhentão no elefante. Deu a vaca. E eles ficaram loucos de raiva por não haverem logo adivinhado que não podia deixar de dar a vaca mesmo.
O jogo na calçada parecia de vida ou morte. Muito embora Gaetaninho não estava ligando.
- Você conhecia o pai do Afonso, Beppino?
- Meu pai deu uma vez na cara dele.
- Então você não vai amanhã no enterro. Eu vou!
O Vicente protestou indignado:
- Assim não jogo mais! O Gaetaninho está atrapalhando!
Gaetaninho voltou para o seu posto de guardião. Tão cheio de responsabilidades.
O Nino veio correndo com a bolinha de meia. Chegou bem perto. Com o tronco arqueado, as pernas dobradas, os braços estendidos, as mãos abertas, Gaetaninho ficou pronto para a defesa.
- Passa pro Beppino!
Beppino deu dois passos e meteu o pé na bola. Com todo o muque. Ela cobriu o guardião sardento e foi parar no meio da rua. (...)
ESTÉTICA
Modernista de primeira hora, paulistano de família tradicional, Antônio de Alcântara Machado escolheu a Paulicéia para assunto das suas narrativas. Em vez dos lugares da moda, ditados pelo aristocratismo da Semana da Arte Moderna, concentrou-se nos bairros proletários de imigrantes italianos para escrever os seus contos, agrupados notadamente em Brás, Bexiga e Barra Funda, onde se inclui a história trágica de Gaetaninho, típico exemplar de ítalo-paulistano. Já por esse simples aspecto o seu autor se distinguiria dos outros companheiros de geração, mas não bastaria para lhe cercar o nome da aura especial que o tempo apenas confirmou. Fundado na sua experiência de jornalista absorto nos dramas anônimos da S. Paulo dos anos 20, Antônio de Alcântara Machado pode bem ser considerado um autêntico cronista: as suas narrativas parecem balançar entre o retrato fidedigno, como o de uma reportagem objetiva e isenta, e a transfusão imaginária, própria de quem, decerto comovido com episódios que presencia ou de que tem conhecimento, se põe a tecer histórias paralelas aos fatos. Costumbrista, Antônio de Alcântara Machado parece fundir o cosmopolitismo da sua formação com o regionalismo urbano da sua eleição, como se o prazer de viajante culto e atento, evidente em Pathé Baby , se transferisse para S. Paulo e os “novos mamelucos”. Fazendo uma espécie de turismo interno, produziu uma obra que permanece como um álbum de instantâneos não raro expressionistas da Paulicéia do seu tempo, vazados num estilo inconfundível, de cinematográficas ressonâncias. [1]
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