quarta-feira, 27 de abril de 2011

INGLÊS DE SOUSA

Herculano Marcos Inglês de Sousa (Óbidos, 1853 – Rio de Janeiro, 1918). Estudou Direito no Recife por quatro anos, e concluiu o curso em São Paulo, 1876. Dedicou-se ao jornalismo, militando na Tribuna Liberal, e com colaborações na Revista Nacional de Ciências, Arte e Letras. Teve grande participação política, tendo sido nomeado presidente das províncias de Sergipe e Espírito Santo, e deputado na Assembléia Provincial de São Paulo. No Rio de Janeiro, exerceu a carreira de advogado e professor, lecionando Direito Comercial na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais. Na literatura, introduziu o naturalismo no Brasil, e em suas obras focava a paisagem e o homem amazônico.

§  Obra ficcional:

- 1876: O Cacaoalista; História de um pescador
- 1877: O Coronel Sagrado
- 1891: O Missionário
- 1892: Contos Amazônicos

§  Literatura jurídica:

- 1873: Artigos e ensaios de crítica literária e filosófica
- 1881: Reforma e Regulamento da Instrução Publica
- 1898: Títulos ao portador no direito brasileiro
- 1912: Projeto de Código Comercial


 O Missionário

Tomando o hábito, o Padre Antonio de Morais vai para Silves, povoado paraense à entrada da selva amazônica. Embora carente de vocação, conquista prestígio de sacerdote coreto e pio; todavia, a rotina da vilazinha, começando a enfastiá-lo, sugere-lhe a procura de um objeto mais valioso para aplicar o talento. E resolve embrenhar-se na mata inóspita, a fim de catequizar os temíveis mundurucus. Parte em companhia do sacristão, mas este regressa a Silves antes de chegar. E é doente que arriba ao sítio de João Pimenta, onde os desvelos de Clarinha, neta do agricultor, e o prolongado repouso lhe restituem a saúde e lhe acordam o erotismo que a batina dissimulara até então. Por fim, conduzindo a matuta, retorna a Silves, e é recebido como a um autêntico santo. Do romance destacaram-lhe as seguintes páginas:
A canoa deslizava brandamente, entrando a boca do rio Canumã, cuja superfície calma enrugava de leve, despertando as sardinhas a meio adormecidas entre duas águas. Nenhum pássaro cantava, as vozes noturnas da floresta haviam-se calado, num recolhimento solene, ao despontar da aurora, como se ensaiassem as forças para a abertura do grande hino da manhã selvagem. Reinava profundo silêncio, apenas entrecortado pelo ruído cadenciado do remo batendo alternadamente na água e nas falcas da montaria. (...)
(...) As ribanceiras negras, irregulares, ora alteando-se como montanha, ora arredondando-se em lombadas, aqui estendendo se em praia alagadiça, salpicada de aningas magras, ali correndo a largos trechos um muro baixo, feito de tabatinga de veios cor-de-rosa; em alguns lugares retendo a custo os cedros que se esforçavam por despenhar-se no rio," ansiosos por vagabundear nos braços da correnteza; em outros esmagadas pelas possantes maçarandubas que lhes entranhavam no seio as raízes grossas como galhos de pau-pereira; tinham o aspecto triste e desconsolado das paragens ermas, das vastas solidões jamais pisadas pelo homem civilizado, e onde a pujança da natureza bruta parece opor uma resistência de bronze ao mesquinho que se aventura a perscrutar-lhe os segredos.(...)
(...) O sol aumentara. O sol tinha cintilações de cobre polido que ofuscavam a vista e causavam vagas dores nevrálgicas nas arcadas superciliares, aquecendo a cabeça. As árvores estavam paradas, ressequidas, estalando ao contato da mais leve aragem ou de algum passarinho que voejava em busca de sombra e de frescura na folhagem verde-claro com ligeiros tons violáceos. O chão duro, seco, crestado pelo calor, ressoava ao passo tardonho e preguiçoso das capivaras que vinham beber ao rio. Um enxame de mutucas verdes esvoaçavam no ar, com um zumbido sonoro, e o sol dava-lhes um brilho de esmeralda e ouro às asas rutilantes. (...)
(...) Era o mundo selvático em que o Padre Antônio, o sacerdote admirado em Silves até mesmo por aqueles que combatiam o clero, procurava os mundurucus, índios ferozes, para catequizá-los. Mas antes que fosse arriscar sua vida às garras daqueles selvagens, caiu nos braços de uma fascinante tapuia, tomando outro rumo daquele que seu espírito heróico sonhava. (...) [1]

ESTÉTICA

Embora tão ortodoxo quanto O Cortiço em matéria de afeiçoamento ao ideário naturalista, O Missionário utiliza-se numa área geográfica e numa problemática novas: a selva amazônica e a questão do celibato clerical. Tais circunstâncias, que tornam O Missionário um típico romance de tese, são visíveis nos trechos dados à leitura: salta aos olhos a descrição minuciosa da vegetação equatorial, primitiva, hostil e sufocante, em meio à qual o homem se volve pigmeu, impotente para resistir ao chamado dos instintos, como que reconduzido, naquele canário tão velho como o despontar do mundo, à condição de ser pré-histórico. Ao submeter o Padre Antônio de Morais ao império dos fatores de Taine (herança, meio e momento), o ficcionista acabou por torná-lo títere, aliás como soia acontecer no perímetro naturalista: assumindo o ponto de vista do narrador onisciente, Inglês de Sousa converte a vida mental do protagonista numa superfície tão plana e óbvia quanto a floresta em que penetra com intuitos evangelizadores. Em contrapartida, Clarinha parece menos à mercê do escritor, decerto porque concentrado na situação do clérigo: heroína matuta, reverso de Inocência e de todas as personagens românticas no gênero, ao Elegê-la para contracenar com o presbítero, o prosador teria em mente denunciar a falsidade que sustentava a idealização romântica das figuras femininas; divisando-lhes os verdadeiros atributos físicos e morais, o romancista encontraria as proporções julgadas exatas de uma faixa da realidade social brasileira, mas tombava no extremo oposto, obnubilando aspectos igualmente relevantes. De qualquer modo, a cabocla ostenta uma “verdade” que falta à estereotipia do sacerdote, assim mostrando o outro lado dO Missionário: apesar da rígida submissão ao código naturalista, gerando a visão microscópica da selva amazônica, encerra uma personagem como Clarinha e atinge equilíbrio entre os componentes narrativos, razões suficientes para salientar-se no panorama de nossa ficção oitocentista.


[1]  Disponível em: http://pt.shvoong.com/books/1873302-mission%C3%A1rio/


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